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segunda-feira, 5 de julho de 2010

Entre a Oração e a Poesia


Por José Barbosa Junior



Acho que hoje entendi porque alguns cristãos rezam a Ave-Maria todos os dias às seis da tarde.
Não! Não quero nenhuma explicação correta sobre isso: o entendimento que veio hoje me basta, mesmo que não seja “verdadeiro”. Ele é certeza em minha alma.
E isto se tornou claro e límpido ao ver o pôr-do sol hoje, trazendo ao céu cores deslumbrantes, em mais um fim de tarde de inverno, daqueles de fazer corar de raiva qualquer pintor por não conseguir cores suficientes para descrever este momento em suas telas.
Seis da tarde é a hora da ausência, da saudade, do medo.
É a hora do vazio que fica pela imenso desejo do reencontro com o criador “ao cair da tarde” (obrigado, Rubem Alves!), é a hora do desespero silente, da nostalgia esmagadora, do encontro que já não acontece mais...
O pôr-do-sol me desnuda, me coloca só... sinto falta, sinto A falta, aquela que, ao encontrar, minha alma descansa tranqüila.
Mas vem também o medo... o fim da tarde anuncia a noite, e a noite, recheada pela ausência do encontro não realizado, traz a angústia, o pavor... daí justificam-se todas as rezas e orações feitas nesse horário... é o medo da solidão.
A noite é símbolo da morte, talvez por isso o “rogai por nós, agora e na hora da nossa morte” seja a oração a ser feita ao entardecer por aqueles que tem medo de morrer...
Hoje entendo porque o próprio criador se encontrava com o homem um pouquinho antes do anoitecer: pra que sua presença fosse sentida durante a noite.. . e o medo fosse embora... e ele dormisse tranqüilo.
Não foi à toa que um poeta, repleto dessa certeza escreveu que em paz ele se deitaria e dormiria... o poeta tinha a certeza da presença!
E é aí que brota a diferença... quem tem medo, faz a oração; quem tem a certeza da presença, mesmo ausente, faz poesia.
A poesia nasce da saudade, da ausência-presente, da certeza de que mesmo não visível, há algo de belo na noite... e isso só faz sentido quando o pôr-do-sol não é mais o prenúncio do abandono, mas a ausência tornada em poesia. É por isso que a noite é dos poetas e dos cantadores... eles nunca estão abandonados, mesmo quando solitários.
No coração do poeta há sempre o reencontro com a beleza, com o Criador, com as cores que ele, como pintor de palavras, transforma em versos...
O poeta não teme a morte que a noite traz... o poeta crê na ressurreição, por isso a noite não lhe mete medo, mas lhe inspira... por isso à noite é que os casais se enamoram ao luar... o amor dos namorados é o anúncio de que a vida sempre recomeça após a morte... é a ressurreição de tudo!
Não foi à toa que Nietzsche disse que “só onde há túmulos é que pode haver ressurreição”... é na ausência que nasce a saudade, e é na saudade que brota a poesia. 
A saudade da vida que o dia muitas vezes apaga, mas que a noite traz com toda a força... é por isso que os jovens casais se encantam com a lua... ela reflete a luz perdida, do dia que foi embora... a lua é envolta no mistério...
E só há poesia onde há o mistério...
Já faz tempo que troquei a oração pela poesia... porque é nela que me reencontro com o Criador. É na poesia que, em mim, o verbo se faz carne... e o mistério se faz revelação!

José Barbosa Junior – 

3 comentários:

Sergio disse...

QUE LINDOS PESAMIENTOS...INVITAN A REFLEXIONAR...SI..!!
SALUDOS.


SERGIO

Eduardo Medeiros disse...

Muito bom esse texto!

Tillich um dia disse que não mais orava, só meditava. E há oração mais eloquente do que a poesia?

Unknown disse...

Sergio querido, que bien que gusto!
Saludos, abrazos.

***

Eduardo, é sempre bom ter você aqui...
;-)

Abração.

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